segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Site de Mapa Mundial da Doença Falciforme: uma alternativa para sabermos quantos somos e onde estamos


O texto abaixo fiz para colocar numa página, cujo a intenção achei ótima: gerar dados, num mapa mundial, para saber quantas pessoas existem com "X" patologia, neste caso, a Doença Falciforme.

Para que isso aconteça depende de que as pessoas acessem o mesmo e se cadastrem, preenchendo alguns dados solicitados. Há inclusive um espaço de interação, onde podemos trocar mensagens com as pessoas inscritas. Até o presente momento temos apenas 32 pessoas cadastradas, mundialmente, poucas no Brasil.

O site também contabiliza e gera dados para quem é da área da saúde e entende da patologia, ou quem tem familiares com a patologia. Se você é responsável por alguém com Doença Falciforme, também pode preencher o site. Gostaria muito de vê-lo repleto de bonequinhos nos representando ali.
Sei que somos muitos! Mas para que o site atinja o seu objetivo, precisa ser conhecido e divulgado.

Colocarei aqui o link, e caso você chegue até aqui e se interesse, acesse e se inscreva. Divulgue também, se puderem e quiserem, mandem este link por email para que seus contatos o conheçam.

Coletivamente, sempre poderemos mais e seremos mais. 








Meia lua em mim

Fui diagnosticada aos 2 anos de idade. Minha mãe estava grávida de mim quando perdeu seu filho de um aninho para a doença falciforme, ele teve um sequestro esplênico do baço. Quando diagnosticada, o médico disse a minha mãe que ela "não precisava se apegar a mim, pois provavelmente, como aconteceu com seu outro filho, eu não chegaria aos 5 anos de idade". E infelizmente, muitos que nasceram no mesmo período ou anteriormente a mim, ouviram coisas semelhantes. Aos meus sete anos, minha mãe teve um outro filho, Alex, que nem chegou a celebrar um aninho de vida. Também teve a vida ceifada com sequestro esplênico do baço, mas desta vez a perda veio com diagnóstico e acompanhamento, mas a morte ainda veio por descaso.
Passei a minha infância entre hospitalizações constantes e novas previsões de que idade eu não alcançaria. Ultrapassei todas. Hoje estou com 37 anos, e sigo muito bem obrigada.
Quando se tem uma doença crônica, e não precisa ser somente a falciforme, a gente aprende muitas coisas que outros não se atentariam. Ampliamos em nós o amor à vida, a valorização das coisas, dos pequenos momentos, dos dias sem dor, enfim. Não que necessariamente a gente precise ter uma patologia para valorizar a vida, mas é quase certeza de que quem tem, valorizará muito mais.
Eu tenho muita sorte de ter nascido na família em que nasci. Recebi desde sempre muito apoio, amor, dedicação, cuidado, mas sem exageros, sem superproteção. Embora pai e mãe sempre tentem de uma forma ou de outra nos superproteger. Mas aprendi com eles a ser quem sou. Minha mãe nunca deixou que eu me sentisse inferior a ninguém por ter o que tenho. Ao contrário, sempre valorizou mais as minhas conquistas por conta disso. Assim como o meu pai.
Minha trajetória até aqui não foi nada fácil. Sempre abri mão de muitas atividades prazerosas por saber que interfeririam em minha saúde. Mas ao mesmo tempo não deixei de viver e nem de fazer outras coisas que eu sabia ser possível. As crises de dor surgem mesmo quando estamos sob total cuidado. Então, deixar de viver ou realizar algo por medo de que você entre em crise é algo que sim permeia o nosso consciente, mas que não deve nos restringir. Eu já até tomei banho de cachoeira. Sonho de muitos que convivem com a falciforme. Pois devido a água ser gelada, normalmente é crise na certa. Mas sinceramente, muitas vezes é melhor ter uma crise fazendo algo de que se gostaria muito, do que tê-la em casa, sem ter feito absolutamente nada que pudesse tê-la causado. Pelo menos após o feito, vem o prazer de poder dizer: ao menos consegui. Realização é muito importante para todos. Não dá para deixar também de realizar as coisas por medo do que virá depois. Há que se tomar os devidos cuidados e ir em frente, tendo medo ou não.
Estudei, tive dificuldades em concluir o superior devido às constantes internações. E após melhora na condição de minha saúde, acabei deixando de lado a questão do superior, mas vez ou outra sinto vontade de concluir. Só para sentir a satisfação de dizer: consegui. Até meus 45 quem sabe eu concluo.
Na educação básica e de nível médio sempre contei com alguns amigos e professores que me auxiliaram para que eu não perdesse o conteúdo devido às internações. Mas nem sempre isso acontece. Tenho muitos amigos que convivem com a doença falciforme e que não conseguiram concluir o ensino médio ou o básico. Assim como tenho muitos outros com graduação, pós graduação, doutorado e até mestrado. Todos somos capazes. Só precisamos ter nossas necessidades atendidas e respeitadas, seja na vida social, estudantil, profissional... em todos os campos de nossa atuação.
Já exerci por oito anos a profissão de educadora infantil, ou professora de educação infantil. Era concursada e tive que brigar para garantir o meu direito a vaga. Já que os peritos médicos me disseram que eu era "incapaz de ser producente", que "não possuía capacidade laborativa devido à falciforme", que " minha hemoglobina baixa me impedia de fazer qualquer coisa, que já era um milagre eu estar viva, quem dirá querer trabalhar", que " só prestei o concurso para mamar nas tetas do governo enquanto passaria o restante da vida correndo atrás de uma aposentadoria, que me seria negada caso eu realmente assim o fizesse". E foi no terceiro recurso que consegui uma posição a meu favor e entrei no cargo que concursei. Mas devido às mudanças nos rumos da vida, me vi depois de oito anos em atuação, exonerando o cargo. Para viver um sonho, num outro estado, e buscar ser feliz. Fui morar sozinha por um ano e meio. Não deu muito certo, voltei a morar com meus pais. Após certo tempo, voltei a me lançar no mundo. E aqui estou, acompanhada, amada e feliz, em outro estado novamente.
Hoje minha profissão é artesã. Amanhã, pode ser que seja outra. A vida é essa constância de transformações.
Não me permito deixar de fazer algo por medo. Faço com medo e tudo. Não será uma patologia ou qualquer outra coisa que ira limitar o que devo ou não fazer. É claro que eu respeito os meus limites. E respeitando-os sei que posso ir sempre além. Se não me sobrecarrego, consigo aproveitar ainda mais tudo o que preciso aproveitar para ser feliz e estar bem.
Cresci com a dor, e a dor me ensinou a respeitar a transitoriedade da vida. Tudo está em constante mudança e transformação. Tudo realmente passa. Aprendi com a dor a ver também as coisas melhores que a dor. Aprendi com a dor a amar cada segundo sem ela. Aprendi a poetizar a dor. Aprendi a poetizar a vida. Aprendi que o que era foice em mim, provocando transtorno, hoje é meia lua, me inundando de brilho, luz e possibilidades.

A todos vocês meus irmãos de meia lua, desejo sucesso e realizações, muita saúde, amor, conquistas, paz, luz e muita Vida!

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Um amor sob o olhar da meia lua






"Minha história começa há mais de vinte anos. Minha mãe, uma baiana negra linda se apaixonou, num Carnaval de Salvador, por um descendente de italianos. Um branco charmoso, de olhos esverdeados, que se rendeu aos gingados da minha mulata!
Ela conta que durante aquele Carnaval, ao som do Chiclete com Banana, saíram várias vezes das cordas do trio elétrico, para se enamorar sob o olhar da Lua, na areia da praia. Aquilo que surgiu ali, no meio da multidão, no meio dos sons de axé, se transformou no amor que resultou em mim.
Eu, uma meio-mulata, de olhos verdes cor de azeitona, cabelos ondulados castanhos, com traços finos no rosto, nasci de parto normal há 23 anos. Meu nome é Joana. Tive uma infância quase normal. Sempre sentia uma dorzinha nos ossos, e algumas vezes muitas dores que eu não sabia explicar pra minha mãe. Fui ao hospital uma vez e lá a médica disse pra minha mãe que eu tinha uma anemia e que precisava saber o que era. Então, depois de muitas vezes que usei gotinhas de ferro oral pra curar minha anemia, que deixava meu cocô preto, me lembro bem disso, soube ser portadora de Doença Falciforme SBTalassemia. Os anos foram passando foram passando e eu ia convivendo com a doença, com as dores, com as mudanças no meu corpo que demoraram muito mais a aparecer do que eu percebia nas minhas amigas da escola. Eu, diferente delas, volta e meia ficava com o branco dos olhos amarelados. Sempre me achavam um pouco doente e eu sempre ouvia que era assim!
Era difícil minha mãe me "largar', Ia a todos os lugares comigo. Nem sabia o que era amar algum garoto. Nem me permitia isso. Não sabia se podia amar. Não sabia se poderia ser mãe. Tinha medo. Ainda tenho um pouco de medo. Mas um dia, me apaixonei.
No começo tive vergonha de dizer que era doente. Ele me acolheu de uma forma tão linda, que foi difícil não me apaixonar. Um amor de uma meia lua. Hoje estou esperando um fruto desse amor. Minha médica, acredite, usa o codinome Joana há muito tempo, me fez acreditar  que eu poderia levar uma vida normal. Me fez acreditar que eu poderia ser mãe! Eu poderia um dia gerar dentro de mim, de um corpo que sempre acreditei doente, um ser de um amor!
Hoje, me sinto plena!
Me cuido, tomo as medicações que me deixam levar uma vida praticamente normal. Daqui a 4 semanas estarei dando à luz. Hoje acredito ser possível viver com alegria na vida!
Hoje troco minha meia lua, por uma lua nova! Hoje, sei que posso ser uma mulher e posso ter um filho pra chamar de meu!!"

Texto escrito pela Dra Roberta Gava, Hematologista de Brasília.

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

A dor além da dor física






Falar da dor além da dor física na Doença Falciforme é falar de várias dores que vão além do nosso corpo, afetam a nossa alma, nossa mente, nosso emocional, espiritual e a nossa vida como um todo.

É falar da dor de depender de um atendimento emergencial e não ser atendido como prioridade.
E muitas vezes ter que esperar muitas horas gritando, chorando, gemendo de dor sem ter atendimento. E ainda assim quando for atendido, ser destratado, ser negligenciado e deixado de lado, agonizando em dor e sofrimento por não acreditarem em você.
Da dor de ser taxado como um viciado(a) por aqueles que gostaríamos que cuidassem da nossa dor.
É a dor de gritar por horas esperando por uma medicação que alivie o sofrimento e ao invés dela receber dipirona pois realmente acreditam que a sua dor é inexistente, que você tem dependência química de medicações mais fortes e muitas vezes vir a óbito aguardando a devida atenção que poderia ter lhe salvado a vida.
É resistir ir ao médico e segurar a dor em casa por medo daquilo que já foi dito acima. E muitas vezes ir numa situação irreversível que te levará ao óbito.
É receber a indiferença de alguns de seus familiares e algumas outras pessoas por acreditarem que você não tem nada de importante, que a dor que sente nem é dor, que sofrimento mesmo tem quem tem câncer, AIDS, etc... você tem é manhã, preguiça, falta de coragem para se manter num trabalho. É um vagabundo(a) que só dá trabalho aos outros e finge sofrimento para ter a piedade alheia.
É receber destes conhecidos, que se passam como familiares, ou de desconhecidos, olhares de crítica, de desaprovação, desconfiança, sentenciando o que quiserem pra você, sem ao menos se informarem sobre o que julgam saberem.
É ter vontade de trabalhar e não conseguir permanecer no trabalho, devido às constantes internações e consultas médicas, assim como exames laboratoriais. 
Ou se manter num emprego em detrimento de sua saúde, escondendo de todos o que realmente possui, fingindo estar bem quando precisaria de uma pausa, pois seu corpo não está mais aguentando. E muitas vezes por não ter outra opção além desta. Pois precisa do dinheiro para se manter e manter sua família. E assim acaba, ao longo dos anos, agregando em seu organismo complicações que poderiam ter sido minimizadas.
É não receber do meio trabalhista direito algum para permanecer empregado e ao mesmo tempo poder cuidar bem de sua saúde.
É passar num concurso público e ouvir de um perito médico que você não deveria nem estar viva com a hemoglobina tão baixa que possuí, quem dirá querer ter o direito à um cargo público. E ouvir de um outro perito que você quer mesmo é "mamar nas tetas do governo" já que é incapaz de trabalhar. É ter que apelar 3 vezes com recurso até conseguir a vaga que lhe é de direito. É sentir o pesar de que algumas vezes você realmente não dará conta do seu trabalho e terá sim que se afastar e que isso não é porque não se importa com o seu trabalho, mas sim porque sua saúde assim lhe pede. E você mesmo sabendo que não está fazendo nada de errado, sentir culpa e vergonha de si mesmo(a) por ter de estar afastado(a), sendo isso apenas o exercício do seu direito.
É muitas vezes ser gozado no emprego pelos colegas de trabalho e ser destratado ou por suas ausências necessárias, ou por sua necessidade de não fazer esforço demasiado para não se sobrecarregar. E se sentir ultrajado, humilhado com isso.
É não ser visto como uma pessoa producente, embora você saiba que seja, e muitas vezes acreditar em sua incapacidade por não conseguir se manter num emprego por longo período de tempo. E mesmo assim, nunca desistir de agarrar uma oportunidade de trabalho. E algumas vezes viver num eterno conflito consigo por saber que será essa a sua luta pelo resto da vida.
É a dor de saber de pessoas que deveriam nos defender, que dizem abraçar à causa falciforme, mas ao contrário do que dizem e pregam, acabam por acreditar que a pessoa convivendo com a doença falciforme procura motivos para adoecer, que faz por onde ficar em crise. É ver essas mesmas pessoas não acreditarem na sua capacidade apesar de passarem à vida ao seu lado dizendo que está lutando pelos seus direitos e apoiando a causa, quando na verdade só querem cargos ou a visibilidade que essa luta pode dar-lhes. E deixam isso bem expresso com frases como: "Tadinho(a) de fulano de tal, não pode assumir muitos compromissos, a doença não deixa.", "Coitado de fulano(a) está internado de novo, mas também procurou, saiu a noite, foi ontem à praia, só pensa em se divertir"... sendo que muitas vezes não saímos, nos cuidamos e ainda assim a crise vem. O sair simplesmente não é motivo que provoque uma crise. Precisamos sim sair, viver, e aproveitar o pouco que temos à nossa disposição. Ou ainda ouvir algo como : " Fulano(a) não pode estar à frente de uma Associação. Como um falciforme pode querer estar à frente de algo que não vai dar conta". Falas assim, vindas de quem conhece a Doença Falciforme é uma sentença de que somos todos incapazes e de que essas pessoas que assim o dizem, não levam à sério a causa que parecem abraçar. Se utilizam da causa, provocando asco àqueles que realmente se importam e lutam sim por nossos direitos. E estes nos causam ainda mais dor, por estarem infiltrados em movimentos que nos dizem respeito e acabam por desacreditarem em nossa força e capacidade.
É a dor de encontrar alguém que ao invés de te amar, valorizar e te apoiar pelo que você é, te culpar por ter uma patologia crônica, te humilhar dizendo que "você é uma farmácia ambulante", se afastar por  você ficar muito internado(a). O que é pior para os rapazes pois a nossa sociedade cobra muito mais deles.  É ter medo de que o amor verdadeiro não chegue por você levar uma vida assim tão distinta de quem é saudável. E quando o encontrar ter mais medo ainda de o perder diante de todas as dificuldades a serem enfrentadas juntos.
É receber o abandono de quem dizia te amar quando você recebe o diagnóstico de que teu filho(a) é uma criança com doença falciforme. É receber a desaprovação da família de seu parceiro(a) por ser o "seu lado da família que deixou essa carga ruim para essa criança", é receber de todos os lados condenação e sentenças da ignorância e do desconhecimento, da falta de informação.
É ter o peito arrebentado de medo, de angústia, de caos por ver tantos irmão de meia lua indo embora por negligência, abandono, despreparo, desinformação e pensar que o próximo pode ser você.
É ter a alma dilacerada por não termos ao nosso lado à informação da gravidade que é o que temos. De muitos não levarem à sério que a falciforme se não for bem cuidada levará  muitas vidas ao óbito fácil e rapidamente.
É a dor da humilhação de ter de passar uma noite inteira repleto(a) de merda e urina em seu corpo por negligência da enfermagem que não foi uma única vez te ajudar a usar a comadre/papagaio, durante a madrugada em que você não conseguia ir sozinho(a) ao banheiro e por não aguentar esperar mais, tentou fazê-lo sozinho(a). E ainda por cima ouvir  na manhã seguinte de que a culpa foi sua, pois não soube esperar "uns minutinhos". 
É ter a humilhação de dormir molhado(a) com sua própria urina por ter se mijado todo(a) tamanha a dor que sentiu durante a noite e ninguém da enfermagem ter ido te ajudar, te trocar, ou ao menos se informar sobre como estava. E na manhã seguinte não receber nem um banho de leito e ter de permanecer com a mesma roupa até que sua visita chegue, se você tiver a sorte de ter visitante. 
É sofrer em silêncio nas madrugadas no leito do hospital sem receber a sua medicação, pois a enfermagem não compareceu nos horários que deveria ter comparecido. E ainda ter de ouvir na manhã seguinte que sua medicação foi entregue sim, que consta como dada e você saber que não recebeu e sua dor permanecer por negligência.
É a dor de no período de escola não poder ir ao banheiro, pois a professora não acredita que você queira ir novamente ao banheiro pois já foi mais de duas vezes. É a dor de ser destratado pela professora e direção da escola e impedido de frequentar à aula por terem medo de estar com hepatite, devido aos seus olhos amarelados (ictéricos). Ter o descaso de um profissional que deveria te auxiliar  e não te humilhar quando diz para uma classe inteira: "não sentem perto de fulano(a) que o que ele(a) tem é contagioso". É não poder participar de atividades físicas na escola por não saberem que respeitando os seus limites você pode sim participar. É precisar muitas vezes de um período a mais para concluir os estudos devido às internações, hospitalizações, mas ainda assim poder concluí-lo desde que respeitem esse seu direito e compreendam suas limitações.
É sentir no peito e na alma a dor que você causa àqueles que te amam e estão sempre ali ao seu lado, que passam dias, meses te acompanhando em longas internações, aguardando que você retorne de um coma, que volte sem sequelas de um AVC, que volte para casa o mais rápido possível. E não poder fazer nada por eles, assim como não pode fazer por si mesmo.
É ter o medo rondando o teu ser. O pavor de não ser atendido a tempo, de receber uma medicação errada durante um plantão tumultuado, de vir a ter todas as complicações possíveis da doença e vegetar. É ter medo de fazer aqueles que ama sofrerem contigo, em sua dor. 
É ter vontade de se anular, de não ser, de morrer... ou de ter realmente câncer ou AIDS pois aí sim te tratariam com dignidade em sua doença. Pois são patologias conhecidas e ninguém duvida do sofrimento que elas causam.
É a dor de sentir tanta dor que você espera não acordar, para nunca mais sentir algo assim. Mesmo tendo o amor de todos que estão contigo e amá-los igualmente, tamanho o desespero e aflição que a dor pode causar.
A dor frequente te silencia, te modifica, te entristece...
É ter que lidar com tudo isso, dentro de si e ainda assim permanecer forte. Ainda buscar caminhos para somente ser. Para permanecer vivendo e lutando por uma vida melhor. Por um tratamento mais digno. Por uma sociedade que reconheça o que sentimos e vivemos, sem julgamentos, discriminação e preconceito.
É estar dilacerado(a) e ainda assim ter no rosto, na voz e no corpo a força da resistência.

Essas  e outras são as dores que sentimos, diariamente. As dores que aprendemos a ter e a lidar, convivendo com elas assim como convivemos com a falciforme.

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Pré venda do Livro: Meia-lua em Mim

Este blogue possui minha maneira de lidar com a Falciforme. Aqui coloquei relatos  da minha vida, e alguns versos também.
Bem, eu amo versejar à vida. Então tive a vontade de coletar os versos que já fiz sobre as crises falciformes, as dores, os momentos de tristeza... enfim, unir os meus versos relativos a DF em um livro. E para que isso pudesse acontecer, fiz uma campanha num site de financiamento coletivo.

Ainda estou longe de alcançar a meta para que o livro seja realmente publicado, mas como dizem, a esperança é a última que morre.

Coloco aqui o link da campanha, para que quem por aqui passar e sentir vontade de contribuir possa fazê-lo. E agradeço a todos que já contribuíram e os que contribuirão.

Gratidão!!

http://www.kickante.com.br/campanhas/pre-venda-do-livro-meia-lua-em-mim




Celebrando a vida!

Recentemente, dia 12 de outubro, completei 37 anos. Pra mim  já é uma alegria imensa cada dia a mais, e cada ano então, nossa... a festa é triplicada rs. Amo celebrar a vida, e comemorei muito o meu aniversário. Afinal, não foram poucas as vezes que ouvi de médicos e equipe de enfermagem o quanto uma pessoa com falciforme poderia viver pouco. Graças aos Céus, essa não é mais a nossa realidade. Podemos viver muito. Podemos viver bem.  Podemos!
Hoje em dia com o autocuidado e um bom acompanhamento de uma equipe médica a nossa vida tem alcançado uma melhor qualidade. Podemos muitas coisas que talvez não pudéssemos há alguns anos atrás. Ainda há muito a ser conquistado, mas já avançamos. E isso é também motivo de celebração.

E viva à vida! Viva o prazer de podermos ser quem realmente somos! Viva o amor que nos preenche e preenche o mundo! Viva a tudo que nos embeleza às vistas, a alma e o coração!

Viva!

E o coração segue em festa e com muita Gratidão!


segunda-feira, 5 de outubro de 2015

O lado bom da Doença Falciforme

Sexta feira passada participei do Primeiro Encontro Multiprofissional da Doença Falciforme, que aconteceu em Belo Horizonte, MG. Encontro este que faz parte do curso de educação a distância (EaD) do Projeto Doença Falciforme: Linha de Cuidados na Atenção Primária à Saúde, promovido pelo CEHMOB-MG em parceria com a Dreminas, NUPAD, UFMG e a Fundação Hemominas.
Fui convidada pela querida Zenó, da Dreminas, para juntamente com outros 4 irmãos de meia lua compormos uma mesa de representantes da pessoa com Doença Falciforme e darmos o nosso depoimento sobre o que é ser uma pessoa que convive com a Doença Falciforme.
Fizemos o que nos foi solicitado, e cada qual deu seu relato de vida. Após esse momento tivemos uma provocação feita pela Zenó, para refletirmos e dizermos se existe um lado bom na Doença Falciforme. Alguns tomados pela surpresa da pergunta foram pausadamente falando e ponderando as nossas conquistas em relação às melhorias no atendimento. Houve quem se perguntou, intrigado, qual o lado bom e ao final chegamos a uma conclusão, que quero aqui compartilhar com todos vocês:

SIM EXISTE UM LADO DOM DA DOENÇA FALCIFORME

Esse lado está bem atrelado em tudo o que já vivenciamos para permanecermos vivos: a nossa GARRA. A nossa ânsia de VIDA. De não nos contentarmos com pouco e querermos sempre mais. Em nossa vontade de simplesmente estar aqui, VIVOS. Esse AMOR à VIDA, que nos é maior que tudo. Essa vontade imensa de SUPERAÇÃO que temos. De romper com tudo o que nos limita e delimita e irmos além. Essa nossa VALORIZAÇÃO da VIDA. Dessa que temos, mesmo repleta de altos e baixos (convenhamos que muitas vezes é bem mais baixos do que altos), de quedas terríveis, de perdas, choros, dor, raiva, angústia, medo, enfim... mesmo com tudo o que nos leva a estar para baixo, buscamos o caminho contrário: estarmos PRA CIMA. Somos VENCEDORES de nós mesmos. De nossas frustrações e cansaços. E ainda que muitos queiram nos dizer: você não pode. Nós conseguimos mostrar que PODEMOS SIM. Podemos muito. Mesmo que com algumas limitações e no nosso próprio tempo, a gente PODE. Somos GUERREIROS e VITORIOSOS pois dentro de tudo o que passamos, a gente sempre dá um jeito de ir e fazer, e mostrar ao que viemos. E mesmo diante de tanta dor, que bem conhecemos, estamos sempre dispostos a SORRIR, a levar a ALEGRIA em nosso ser e alma, e partilhar desta FELICIDADE de SERMOS com todos aqueles que nos rodeiam.
Existe ainda um outro lado lindo da Doença Falciforme que é o que nos faz IRMÃOS de SANGUE. DE MEIA LUA. Irmandade construída pela identificação que temos uns com os outros. Pelo RESPEITO, AMOR e VALORIZAÇÃO DA VIDA que existe em cada ser, seja ele um meia lua ou não.

Eu sempre tive em mim a crença de que a doença não veio apenas para o meu sofrimento, mas muito mais para o meu AMADURECIMENTO. E percebo muito disso em vários IRMÃOS DE LUA. Nós buscamos CRESCER apesar da doença. E apesar de tudo o que poderia nos fazer estacionar, a gente tem essa vontade imensa de SUPERAÇÃO. E seguimos a cada dia indo além de tudo o que nos dizem sermos incapazes. Palavra aliás que já ouvimos muito. E temos o prazer em mostrar que não é bem assim.
Não é a toa que nos chamamos de GUERREIROS. Nós o somos. E somos essa família que apesar de toda a dor e sofrimento, consegue colocar um sorriso verdadeiro no rosto e apaixonadamente levar os dias, com GRATIDÃO no peito e um BEM QUERER IMENSO por mais :)


Para saber mais a respeito do Projeto Doença Falciforme: Linha de Cuidados é só clicar aqui