segunda-feira, 20 de junho de 2016

Minha experiência com o Hydrea



Eu iniciei o tratamento com o Hydrea muito tempo depois do seu surgimento. Sempre tive muitas crises, infecções de repetição, ora era a garganta inflamada, ora era infecção na bexiga, ora as duas coisas, mais pneumonia, etc. Passei a maior parte da infância, adolescência e inicio da juventude em hospitalizações. Tinha mais ou menos umas dez internações por ano, quase sempre com duração posterior a dez dias. E mesmo diante deste quadro, quando descobri que havia o uso de um fármaco que estava reduzindo as crises em pacientes e solicitei o mesmo à minha médica, ela se recusou. Passei anos tentando convencê-la de que eu precisava daquele remédio. E só o consegui em 2007. Quando passei um ano (2006) quase que inteiro em internações. Tive duas que duraram 25 dias. As demais eram dez dias internadas, uma semana em casa, mais quinze dias internadas, três dias em casa, e assim foi o ano inteiro. E em novembro de 2016, numa internação que quase me levou desse mundo, em prantos eu disse a médica que se ela não me desse o Hydrea eu atentaria contra a minha vida, pois estava cansada daquilo, que não queria mais viver daquele jeito pois aquilo não era vida. Falei chorando e com raiva. Lembro até hoje que ela sorrindo me disse: não é para tanto. Você sabe que vida de paciente falciforme é assim mesmo. Mas pode deixar que vou te passar o remédio. Ninguém vai morrer aqui.

Lembro que fiquei com muita raiva da forma que ela reagiu e por não ter me dado esse remédio antes. Eu não morri, mas poderia. Foi uma crise forte, com pneumonia e derrame de pleura que evoluiu para embolia pulmonar. Mas bem, ela finalmente cedeu. E com uns seis meses de uso eu ainda estava apresentando crises. Persisti tomando o remédio, apesar de ter tido reações como dor de cabeça constante, náuseas, tontura, aumento do sono, dor no estômago quase que constante. Persisti pois havia lido e visto melhorias em muitos pacientes. Quase um ano e meio depois as crises começaram a diminuir. (É importante dizer aqui que cada caso é um caso, essa é a minha vivência, mas conheço pessoas que com um mês de uso se sentiram bem melhor)

Os sintomas adversos cessaram e vi que havia valido a pena ter conseguido persistir com o tratamento. Não que após o uso do Hydrea eu não tivesse mais crise. Mas após o seu uso não tive mais internações longas e repetitivas. Diminui as infecções de repetição também. Passei a ter outra qualidade de vida.

Hoje ele é o único remédio capaz de fazer isso, de nos dar uma maior qualidade de vida. E não é justo que esse tratamento nos seja negado. Esse remédio está em falta na rede pública de saúde há quase um ano em muitos estados brasileiros. Muitos pacientes estão tendo mais internações e crises de dor pela sua falta. Muitos outros estão morrendo pela falta de distribuição deste pelo SUS. Eu sei o quanto é doloroso não ter uma medicação que você sabe que lhe fará bem. Eu sei o quanto dói as crises que sentimos. Eu sei o quanto dói o medo de ser a última crise, de ser a última vez entre os nossos. Eu sei e por saber é que me dói esse descaso conosco. Me dói saber que muitos tratamentos bem mais caros que o Hydrea são custeados pelo SUS e nunca faltam na rede. Me dói saber que exista apenas uma empresa que fornece esse remédio. São tantas as dores que temos que passar nessa vida e a dor do descaso dói como se fosse uma crise álgica.
Ontem foi o Dia Mundial de Conscientização sobre a Doença Falciforme. E a falta desse medicamento só mostra o quanto ainda precisamos caminhar em busca dessa real Conscientização.







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